Antes de qualquer final do campeonato paulista, uma mesma pergunta se fazia presente em qualquer canto da cidade: E domingo, o Alemão vai apitar?
Maluco, playboy ou valentão, Dulcídio foi acusado até de desonesto por alguns desafetos. Entretanto, nunca foi possível ignorar sua reputação como um dos melhores árbitros do Brasil.
Longe do apito, Dulcídio gostava de assistir novelas, cuidar do pequeno aquário e fazer compotas de frutas.
Dulcídio Wanderley Boschilia, também conhecido por “Alemão”, nasceu na cidade de São Paulo (SP), em 4 de janeiro de 1938.
Além de árbitro de futebol, Dulcídio foi Guarda Civil, Sargento da Polícia Militar, Escriturário do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações. Centro de Operações de Defesa Interna) e fez parte dos quadros da ROTA.
Em entrevista para a revista Placar de 15 de dezembro de 1986, o “Alemão” revelou detalhes de sua carreira policial:
– Tenho vários processos e já bati em muito traficante. Mas não batia na covardia. Tirava a camisa e partia para o “mano a mano”. Por isso a malandragem sempre me respeitou!
– No DOI-CODI eu era apenas um escriturário e nunca participei da tortura de ninguém!
De fato, no livro “Brasil Nunca Mais”, escrito por Dom Paulo Evaristo Arns e organizado pela Arquidiocese de São Paulo, seu nome não aparece no rol dos torturadores.
O futebol apareceu em sua vida jogando como goleiro no segundo quadro de um time chamado Anay, no bairro de Santana, Zona Norte da cidade de São Paulo. Nos jogos do primeiro quadro Dulcídio apitava e com isso foi ganhando fama.
Até que um dia Dulcídio foi humilhado pelo pai ao pedir dinheiro para passar o final de semana. Naquele momento, o jovem prometeu aos familiares que deixaria o nome da família famoso no Brasil inteiro.
Fez a matrícula no Curso de Arbitragem da Federação Paulista e Futebol e assim continuou sua vida como policial. Dulcídio inclusive apitou partidas de futebol na Casa de Detenção de São Paulo.
Paralelamente ao trabalho na Polícia, Dulcídio apitava jogos das divisões intermediárias pelo interior paulista, nos anos sessenta.
O narrador Osmar Santos, que se destacou no início da carreira na cidade de Marília, sempre considerou Dulcídio o cara mais louco que conheceu.
Em um jogo na cidade de Penápolis, entre Penapolense e São Bento de Marília, Dulcídio foi pressionado para favorecer o time da casa. Com segurança precária e sem alternativas, se trancou no vestiário e precisou usar uma arma que carregava para assustar os mais exaltados.
Durante boa parte da carreira, o respeitado árbitro sempre chegou aos estádios com sua costumeira mochila, embora afirmasse que nunca entrou em campo armado.
Sempre lembrado por grandes arbitragens, principalmente em partidas decisivas, Dulcídio também trabalhou como bandeira no polêmico “Choque Rei” que definiu o título paulista de 1971 no Morumbi.
Naquele domingo de 27 de junho de 1971, o São Paulo vencia o Palmeiras por 1×0 com um gol marcado por Toninho Guerreiro, aos 5 minutos da primeira etapa.
Na segunda etapa, Leivinha marcou de cabeça o gol de empate que colocaria “fogo no jogo”. O gol manteria o Palmeiras com chances de chegar ao título, já que o resultado de igualdade era favorável ao São Paulo.
Mas Armando Marques anulou o gol, enquanto o bandeira Dulcídio corria para o centro do gramado para validar o tento.
Armando alegou que Leivinha usou a mão para finalizar. Depois do jogo, ainda nos vestiários, Armando Marques acusou Dulcídio de ser um companheiro desleal por conceder entrevistas mantendo sua opinião sobre a legalidade do gol.
“Corri para o centro do campo porque o gol foi legítimo”, afirmava sem titubear o bandeirinha Dulcídio aos ávidos repórteres das rádios paulistas.
Disciplinador quanto ao cumprimento das regras, Dulcídio ficou marcado na carreira do ex-goleiro e treinador Emerson Leão.
Em partidas do Palmeiras, diante da Portuguesa de Desportos e do Corinthians, o exigente árbitro mandou voltar por várias vezes a cobrança de uma penalidade máxima, ocasionada pelo adiantamento de Leão antes do apito.
Em seu currículo, encontramos as decisões do campeonato brasileiro de 1975 e 1988, além das finais nos campeonatos paulistas de 1974, 1975, 1977, 1981, 1983, 1986 e 1987.
Dulcídio revelou que sua final inesquecível foi entre Corinthians e Palmeiras em 1974, quando testemunhou uma multidão de torcedores alvinegros saírem do Morumbi completamente desolados, mas sem contestar sua arbitragem.
Ainda em 1974, Dulcídio foi chamado ao prédio da Federação Paulista de Futebol para ser comunicado sobre sua nomeação como árbitro da FIFA. Dias depois, o próprio Álvaro Paes Leme revelou que a indicação tinha sido cancelada.
Em 1977 mais uma vez seu nome foi manchete nos jornais e revistas esportivas. Antes do terceiro jogo entre Corinthians e Ponte Preta, Dulcídio ficou sabendo que era procurado insistentemente por três homens no prédio da Federação.
Os gatunos queriam saber seu endereço dizendo que tinham uma encomenda que só poderia ser entregue para ele.
Depois da famosa final de 13 de outubro de 1977, principalmente pela expulsão do atacante da Rui Rei da Ponte Preta, o assunto voltou ao noticiário.
Finalmente, Dulcídio descobriu que tinha sido “comprado” (sem ter conhecimento) por 2 milhões de cruzeiros. Em entrevista para a revista Placar de 27 de dezembro de 1985, um depoimento do próprio árbitro colocou um ponto final no assunto:
– Alguém levou esse dinheiro. Se fosse comigo eu toparia encontrar os caras até receber o pacote em minha mãos. Em seguida daria voz de prisão ao bando de canalhas.
Em 1983 Dulcídio se envolveu em outra denúncia de corrupção em Natal (RN). Os dirigentes queriam fabricar um resultado entre América e ABC.
Então, o “Alemão” aceitou o cheque para encaminhá-lo como prova de suborno. Não conseguiu provar nada e ainda correu o risco de levar um processo nas costas.
Além do interesse direto por uma vaga na Taça de Prata, a investigação apontou o suposto envolvimento da “Máfia da Loteria Esportiva”.
Também em 1983 interrompeu uma partida entre Atlético Paranaense e Campo Grande (RJ) em razão de uma dor de barriga. Foi ao banheiro e minutos depois retornou ao gramado sob os aplausos da torcida.
Na final do campeonato paulista de 1987, entre São Paulo e Corinthians, Dulcídio entrou em campo para apitar, mesmo diante da desconfiança de que provavelmente não teria condições psicológicas para isso.
Aplaudido pelos torcedores antes do início da partida, Dulcídio conduziu o jogo até o fim, mesmo com uma costela fraturada. No apito final, depois de levantar a bola, desmaiou de dor e emoção enquanto era atendido, ainda no gramado.
Dias antes, Dulcídio estava ao volante de seu Monza quando bateu na traseira de um caminhão, na Rodovia Castelo Branco.
O grave acidente aconteceu no retorno para a cidade de São Paulo, após apitar uma partida entre Tupã e Palmital, pela Terceira Divisão Paulista.
Ainda no leito do Hospital, Dulcídio recebeu incrédulo a triste notícia do falecimento de Berenice, sua segunda esposa.
No carro estavam também os bandeirinhas Daniel Fernandes e Edimauro Garcia, que sofreram fraturas, mas escaparam com vida.
Dulcídio se formou em Direito em 1982. Encerrou sua carreira policial no cargo de Investigador na Policia Civil do Estado de São Paulo.
Embora nunca tenha confirmado publicamente, os mais íntimos afirmavam que seu time de coração era o São Paulo Futebol Clube.
Dulcídio Wanderley Boschillia, que encerrou sua carreira como árbitro em 1988, faleceu na cidade de São Paulo, em 14 de maio de 1998.
( Crédito texto e imagens tardes de pacaembu.wordpress.com )
Nenhum comentário:
Postar um comentário