Com o apito do cronometrista desceu o pano sobre o drama do Campeonato Carioca de Football de 1941. Após quatro turnos tormentosos chegou ao seu final o certame mais árduo que já se disputou no Rio. Sagrou-se campeão o Fluminense, herói do mesmo feito no ano anterior. O grêmio tricolor que estivera distanciado da ponta da tabela cinco pontos conseguiu após esplêndida reação recuperar o terreno perdido para finalmente obter o almejado posto . E foi com a vantagem de um ponto que entro na cancha para enfrentar o seu tradicional rival o Flamengo. Na tarde de domingo os pupilos de Ondino empatando com os rubro negros conseguiram manter-se na posição ganhando assim o laurel máximo do football da metrópole.
A semana que precedeu o famoso clássico não foi boa para os tricolores. Enquanto os rubro-negros seguiam para Lorena afim de se afastarem o máximo dos assuntos referentes a disputa os defensores do Fluminense permaneciam no Rio as voltas com as contusões de Spinelli e depois Norival . Nos dias em que a preparação e o ajuste de linhas do conjunto se faziam mais necessário, os dirigentes do campeão procuravam ainda solver os desfalques inesperados. A gravidade das questões a enfrentar era patente. Lutou-se durante dezenas de horas para conseguir com que Spinelli e Norival retornassem ao team. Mas a palavra do departamento médico foi contrária. Já quinta-feira constatava-se que o estado do back o impediria de participar do clássico número um. Havia esperanças quanto a Spinelli.
A entrada do team no gramado fez desaparecer a última esperança. Brant o substituíra. Causou mesmo estranheza a presença do pivot montanhês no quadro quando se sabia que Og era o reserva de Spinelli e que Brant não jogava a muito na posição.
Foi iniciada a peleja com ataques perigosos do Flamengo. Aos poucos porém a classe de Brant demonstrava as razões de sua escalação. Os tricolores aguentavam as primeiras arremetidas e passacvam naturalmente ao ataque apoiados pela defesa. No décimo era visível o equilíbrio das ações. Faltava algo porém para dar absoluta confiança a torcida do Fluminense. E o algo veio no 20 minuto. Um ligeiro descuido da defesa rubro-negra permitiu que Pedro Amorim mandasse a pelota as redes. Carreiro trabalhou a bola e passou-a ao ponta direita que emendou forte. Os do Flamengo mostraram-se surpreendidos com a conquista do tento e recuaram um pouco. Intensificaram-se os ataques do Fluminense. Acontecia o milagre.
Cinco minutos após, Biguá tocou com a mão na bola dentro da área. Tocou e mostrou-se arrependido. Coplocando as mãos na cabeça e permanecendo parado no local da infração para lá da linha que demarca a área de backs. Juca apitou e colocou a pelota alguns centímetros da área. Pedro Amorim cobrou e a bola foi e voltou a cabeça de Affonsinho três vezes. Na última partiu em direção a Carreiro que desviou para Russo colocando-a este novamente no arco defendido por Yustrich. Era o segundo goal do Fluminense. Uma vantagem quase intransponível. Meio título de campeão garantido. Espanto geral. Espanto quando se viu que o Flamengo custava a se refazer. A iniciativa ainda pertencia aos tricolores. Alguns torcedores rubro-negros ensaiaram abandonar o campo. Procuravam entre os defensores do team um ou dois responsáveis pelo fracasso. Os nomes de Jayme e Reuben apareciam em primeiro plano. Já os tricolores consideraram a contagem boa e cuidaram-se para impedir surpresas recuando os meias e até o center-forward, permanecendo os pontas isolados. Essa tática permitiu ao Flamengo assumir o controle da luta. Minuto minuto foram os seus players aumentando a pressão e na meia hora do tempo atuavam no campo do adversário. Adivinhava-se a abertura do score para os rubro-negros a cada momento. Batataes empregava-se a fundo bem auxiliado por seus companheiros. Uma, duas enfim inúmeras oportunidades se perderam para os vice-lideres.
Faltava o tento para concretizar o domínio. Ele veio aos trinta e cinco minutos. Russo fez foul em Volante. Jayme bateu e a bola caiu sobre o arco tricolor. Batataes fez menção de que ia sair do arco tendo Renganeschi corrido para o local onde descia a pelota. O keeper eo zagueiro tiveram um segundo de indecisão segundo este aproveitado habilmente aproveitado por Pirillo que fez de maneira magistral o 1 goal do Flamengo. Nascia assim a possibilidade da vitória. Uma fase de desnorteamento perturbou os tricolores permanecendo os rubro-negros em franca ofensiva. A vantagem obtida em meio do tempo deixara de ser poderosa e parecia que estava para desaparecer a qualquer instante. O Fluminense passou apenas a se defender evitando a todo custo uma nova conquista do Flamengo. Bola para longe , bem longe da área. Defesa desordenada mas que dava certo pois os ponteiros do relógio andavam.
O apito do cronometrista veio encontrar o Flamengo no ataque. Avançadas sobre avançadas organizavam os rubro-negros, todas porem rechaçadas pelos defensores do Fluminense. Entre os tricolores Batatais, Renganeschi e Affonsinho desdobravam-se contando com a colaboração do demais companheiros. Os três, em primeiro plano, apareciam seguidamente destruindo as pretensões dos avantes contrários. No bate bola a defesa do Fluminense saia-se otimamente dando ocasião para seus atacantes incursionarem em duas ou três vezes. Era Tim carregando a pelota. Russo investido pelo centro perigosamente ou Carreiro enganando os halves adversários. Terminou o hall-time e o placar marcava 2 x 1 a favor dos tricolores.
Voltaram os team a campo e foi reiniciada a peleja. Novamente com o controle do jogo o Flamengo. Os tricolores atacavam mas de longe. Nem por isso essas avançadas deixavam de oferecer perigo para cidadela de Yustrich. As tenazes todavia iam se apertando em torno da área do Fluminense. Insistia o Flamengo crescendo na razão direta a produção da defesa tricolor. Recursos extremos eram utilizados concedendo os backs seguidos escanteios.
Recurso extremos ? Extremos até de mais . Nessa altura um centro de Sá foi desviado com a mão por Affonsinho para corner. Juca deu corner apenas. Compensação ? A falta menor foi cobrada e nada de novo contra o Fluminense. E o cerco continuou. Domingos e Nilton colocados no centro do campo também ajudavam no assédio ao arco de Batataes. A torcida do Flamengo vibrava incentivando seus players. Não havia mais dúvida sobre a nova queda da cidadela do guardiãop tricolor tal o bombardeio que sofria. Somente a fibra dos defensores permitia aos próprios torcedores confiar num sucesso. Aos vinte minutos já começavam...... os feitos do Fluminense.
Esboçou o Fluminense uma ligeira reação tentando fugir do domínio. Pedro Amorim apanhou a pelota e passou-a a Romeu e este a Russo. O center-forward tricolor avançou perigosamente pelo centro invadindo a área. Nilton e Domingos correram para impedir o arremate. Russo foi trancado pelo dois violentamente sendo jogado saindo a pelota pela linha de fundo. Juca mandou que o tiro de meta fosse executado continuando o atacante do Fluminense caído. Yustrich preparou-se para chutar e Carreiro tirou a bola da marca, acenando para o juiz afim de que Russo fosse socorrido.
Finalmente Yustrich carregou Russo para fora de campo e executou a seguir o tiro de meta. Retornou o Flamengo ao ataque e aumentou o cerco. Domingos de uma feita chegou até próximo a área do Fluminense arrematando forte tendo a pelota passado junto a trave superior. Batataes defendia sempre. Bolas para todos os cantos e de todos os feitos. Já estavam jogando atrasados os cinco atacantes do Fluminense, pois mesmo os extremas voltavam até a área para ajudar seus companheiros de retaguarda. O tempo estava se esgotando. Os torcedores do Flamengo olhavam mais para o relógio do que para o campo. Cada minuto que passava era como um novo golpe vibrado na fé do triunfo. No 40 minuto, a cinco do final, pareceu enfim que a almejada vitória estava desenhada. Reuben investiu e chutou violentamente. A pelota apesar de tocada pelos dedos de Batataes , que se atirar com esforço para alcança-la procurou o caminho das redes. Pirillo então entrou e ajudou-a a penetrar na cidadela tricolor. Estava empatada a peleja.
BATATAIS, RENGANESCHI, PEDRO AMORIM, CARREIRO, TIM, MACHADO, MALAZZO, ROMEU, RUSSO, BRANT e AFFONSINHO .
VOLANTE, BIGUÁ, NEWTON, DOMINGOS DA GUIA, YUSTRICH e JAIME, SÁ, ZIZINHO, PIRILLO, REUBEN e VEVÉ.
O nervosismo passou a dominar os torcedores do Fluminense . Antes os rubro-negros pensavam em parar os ponteiros do relógio. Depois eram os tricolores pretendendo faze-los correr, senão voar. A assistência foi tomada de intensa emoção. Adeptos do Flamengo e do Fluminense acompanhavam o desenrolar de cada lance sob a mais viva apreensão. Nada de gritos ou manifestações outras. Os defensores do Fluminense iniciaram dai em deante uma tática que já se anunciava no início da semana. Uma tática simples muito velha, mas de muito efeito. A tática de bola para fora em direção a Lagoa. A pelota subia shootada com violência e caia na água. O juiz pedia outra e era tirado o out side. Novamente bola na Lagoa e os players rubro-negro corriam a busca de outra bola. Dez segundos de uma vez, quinze de outra somando minutos preciosos para o Flamengo. Um recurso de jogo que enfeiou o final da partida podem dizer. Mas um recurso legal e perfeitamente lógico dentro das circunstâncias que cercaram esse mesmo final. Carreiro já havia sido expulso do gramado por um excesso de preciosismo do árbitro. Batataes mal conseguia dominar a dor do braço ferido com uma pisadela proposital de Pirillo. Com o keeper quase sem ação e com menos um player, restava, ao Fluminense defender-se da melhor forma. A forma indicada pelo momento era a cera. Uma cera com moldes novos que a proximidade da Lagoa ajudou. Ainda assim com as interrupções para a exclusão de Carreiro de jogo e para pensar Batataes, os cinco minutos finais do Fla x Flu ficarão eternamente gravados na memória dos fans tricolores como se tivesse durado uma hora. Ninguém ouviu o apito do cronometrista dando por finda a peleja. A tensão nervosa era enorme e somente a entrada em campo de um torcedor tricolor que se achava junto a mesa do oficial da F.M.F fez compreender a assistência e aos próprios jogadores que a jornada terminara. Ponto final de uma peleja exaustiva, fecho emocionante de um certame que se estendera por quase todo o ano prendendo a atenção de centena de milhares de torcedores, consumindo a energia de dezenas de jogadores árbitros e dirigentes. E felizmente tudo terminava bem. Bem para o Fluminense que obtinha o título. Para o Flamengo que perdia o título sem ser derrotado na peleja decisiva. Bem para o esporte com o jogo terminando sem as famosas exibições de indisciplina que estiveram por jogar por terra todas as finalidades do campeonato. Não foi uma peleja livre de senões como focalizaremos a seguir os casos de Pirillo e Carreiro, mas com um coeficiente de disciplina superior.
PIRILLO :
Vamos agora nos reportar a um incidente do penúltimo Fla x Flu. Houve qualquer coisa para o lado da bandeira de corner. Pirillo e Spinelli disputaram uma bola e viu-se nitidamente o center-half dar um soco no centro-avante rubro negro, que com uma esquiva feliz evitou que a mão alcançasse seu rosto. Spineli foi expulso e multado mas Pirillo permaneceu em campo. Fomos dos que viram Pirillo iniciar o combate de box tendo a agressão sido revidada por Spinelli. Os lábios do player tricolor e os quatro dentes abalados provaram que não estávamos longe da verdade. Pirillo negou como negaram a agressão seus defensores.
Novo Fla x Flu. Um Fla x Flu importante para os disputantes com características de decisivo. Pirillo resolveu dar um prova pública de que não nos enganáramos na outra vez. Começou por dar um soco em Renganeschi. Muitos viram, menos Juca provavelmente. Mas a sua atitude mais lamentável foi a de ter pisado o braço de Batataes. E o fato cresce de gravidade ao nos valermos da declaração do arqueiro tricolor no vestiário de que o atacante do Flamengo o havia ameaçado de quebrar o braço. A acusação do guardião do Fluminense é séria e gostaríamos de acreditar não fosse verdadeira.
Sylvio Pirillo um player que foi recebido pelo público e a imprensa do Rio com toda simpatia, simpatia essa a que correspondeu durante tanto tempo, deve evitar assumir atitudes impróprias a um bom esportista. Para tanto possue qualidades técnicas e de caráter bastantes para brilhar, sem necessidade de buscar nos recursos desleais escada para sucesso.
CARREIRO :
Aquela palestra entre Juca e Carreiro antes do início do jogo deveria figurar nos diálogos impossíveis :
- Carreiro, nada de truques hoje
- Sim Juca vou me esforçar para não provocar os adversários.
- O Fluminense acha que não trato bem os jogadores , mas o peor é que alguns jogadores do Fluminense tratam muito mal os adversários.
- Eu por exemplo.
- Sim você. Deixa Yustrich em paz e trata de jogar para o team. Esqueça a arquibancada. Isto aqui é campo de football e não picadeiro.
A conversa não pode prolongar-se mais. Juca mandou os quadros se prepararem para a saída. que segundos depois foi dada.
Carreiro deve ter esquecido a advertência. Por isso ou por aquilo irritou Biguá, Yustrich e outros mais. Quando fez foul em Biguá dentro da área foi punido pelo árbitro e seguro pela gola pelo half . A camisa de Carreiro rasgou um pouco. Mas Carreiro queria impressionar o público e acabou o serviço começando por Biguá rasgando toda a camisa. De busto nu com os frangalhos da camisa nas mãos fez sinal para a assistência. Muitas caretas e gestos de martir provocando a interrupção da peleja. O Sr. José Ferreira Lemos não gostou da atitude do player e fê-lo sair de campo para arranjar outra camisa. Carreiro demorou para encontrar a substituta. Finalmente voltou ao gramado com sua representação. Mais uma vez sua habilidade de artista obtinha sucesso.
As consequências vieram mais tarde já nos minutos finais. Houve um foul contra o Fluminense. Biguá ia cobrar a falta mas Carreiro colocou-se a sua frente. Juca ordenou que se afastasse mas o ponteiro tricolor fez sinais pedindo que o juiz contasse os onze passos da regra. Juca ao que parece perdeu a calma e caminhou para Carreiro empurrando-o para fora do campo. Não nos era possível perceber se o player tricolor disse algo ao juiz mas Juca agiu mal ao usar as mãos ao invés da autoridade para expulsar o jogador.
[ GLOBO SPORTIVO - 25 DE NOVEMBRO DE 1941 ]
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